Indústria automóvel ensaia retoma reputacional

A reputação da indústria automóvel já terá vivido dias melhores. Esta é uma opinião consensual entre os especialistas de imagem e comunicação do setor perante a gradual queda das marcas automóveis nos rankings de reputação ao longo dos últimos anos.

Se há uma década encontrávamos duas mãos cheias de marcas de automóveis nos 100 primeiros lugares Global Reptrak elaborado pelo Reputation Institute, com pelo menos duas ou três marcas no “top ten”, hoje a situação é bem diferente. Analisando o Global Reptrak 100 de 2019, verificamos que a primeira marca automóvel, a BMW, surge na 28ª posição e depois só encontramos mais quatro: a Honda (46ª), a Daimler (59ª), a Ford (78ª) e o Grupo PSA (95ª). Curiosamente, temos outras marcas ligadas ao setor automóvel mais bem posicionadas no mesmo ranking, como são os casos da Michelin e da Bosch, ambas no “top ten”, ou da Pirelli (23ª) e da Goodyear (29ª).

A que se deverá esta quebra? Serão apenas os efeitos de casos negativos, como o “Dieselgate” protagonizado pelo Grupo Volkswagen em 2015, ou a notícia da detenção, por alegada corrupção, de Carlos Ghosn, o gestor franco-brasileiro que liderava a Renault/Nissan?

Ou será que há algo mais?

As exigências ambientais

Para Mário Guerreiro, o português que era responsável pela comunicação internacional do Grupo Volkswagen aquando do escândalo “Dieselgate”, “é óbvio que acontecimentos com esta dimensão e gravidade afetam, negativamente, a imagem e a reputação de uma marca e de um construtor automóvel”. E os números não mentem. Se verificarmos os resultados do Global Reptrak 100, concluímos que a posição da Volkswagen no ranking, entre 2011 e 2015, variou entre os 8º e 14º lugares, para se afundar em 2016 na 123ª posição, de onde tem vindo a recuperar gradualmente. Mais: toda a indústria automóvel sofreu com esta crise. Se o ranking do Reputation Institute foi liderado pela BMW várias vezes entre 2011 e 2015, de então para cá as marcas do setor caíram para posições bem mais secundárias como acima já vimos.

“Todos sabemos que o “Dieselgate” não afetou apenas a Volkswagen”, confirma Ricardo Oliveira, Diretor de Comunicação da Renault Portugal, para quem o escândalo da alteração dos valores das emissões dos motores diesel teve uma influência nefasta na imagem e reputação de todo o setor automóvel. 

Para agravar a situação, a maioria dos líderes políticos viram neste escândalo uma oportunidade de ouro para se mostrarem muito verdes e ecológicos perante a opinião pública, penalizando a indústria automóvel e responsabilizando-a pelas alterações climatéricas, o que está longe de corresponder à realidade.  

“Todas as marcas têm sido muito causticadas em termos ambientais pelas autoridades políticas, criando-se exigências injustificadas perante uma indústria que sempre esteve na vanguarda da investigação tecnológica tendo em vista a otimização do seu desempenho ambiental”, explica Ricardo Oliveira.  

Aliás, segundo o Diretor de Comunicação da Renault Portugal, “é precisamente este histórico esforço de investimento liderado pela indústria automóvel no sentido do desenvolvimento tecnológico amigo do ambiente, que permite que o setor mantenha ainda hoje, apesar dos ataques de que tem sido alvo, níveis de notoriedade e de reputação muito elevados”.      

Exemplo de todo este empenho é a forma como a indústria tem sabido responder aos desafios da transição energética, com os progressos evidenciados nos processos de eletrificação dos motores e na automação das viaturas.

“A evolução tecnológica vai ser cada vez mais rápida e disruptiva. Os primeiros carros elétricos surgiram em 2011 e em oito anos já triplicaram a autonomia e baixaram os preços de forma significativa”, sustenta Ricardo Oliveira.

Mudança de paradigma

Mas, não terão sido apenas um ou outro caso de más práticas ou de falta de ética a fazer cair as marcas automóveis nos rankings de reputação. Na origem desta queda estará também uma mudança de paradigma na forma como as novas gerações encaram o automóvel em comparação com outros bens de consumo, nomeadamente os ligados às novas tecnologias ou a artigos de luxo. Daí que tenham sido precisamente marcas destas áreas e serviços que passaram a ocupar os lugares cimeiros dos rankings, casos de uma Rolex ou de uma Microsoft.

Mário Guerreiro não tem dúvidas: “Os mais novos têm hoje uma ligação muito menos emocional ao automóvel, que está a deixar de ser um objeto de culto que era vivido com paixão.  Os mais novos já nem sequer alimentam um grande desejo de posse em relação ao automóvel. Muitos preferem ter uma aplicação móvel que lhes permita alugar uma viatura para determinado trajeto”.   

E conclui: “Até a relação com o vendedor estará à beira do fim. O próximo passo será comprar o carro na internet. É evidente que tudo isto se paga em termos de emotividade e ligação à marca, com reflexos nos rankings de notoriedade e de reputação. O que só pode ser contrariado com mais inovação e melhor qualidade de serviço em plena fase de transição energética”.  

Será, pois, nesta fase de transição energética, ainda não consolidada, e na mudança radical da relação do automóvel com o consumidor, a afetar drasticamente todo o percurso de comercialização dos carros do futuro, dos quais muitos até serão autónomos e adquiridos online, que se jogará a retoma e mesmo o reforço da reputação da indústria automóvel.

E não se pense que algo estará a ser deixado ao acaso. Numa indústria com um historial brilhante em inovação e desenvolvimento tecnológico, que voltou em 2018 a reclamar a liderança em investimento em I&D a nível mundial, tudo está a ser preparado para enfrentar os desafios da pesada fiscalidade ambiental sem perda de rentabilidade.

Mesmo que a paixão pelas marcas de esbata, até porque muitas passarão a utilizar, por exemplo, cada vez mais plataformas e motores comuns, o negócio automóvel continuará sobre rodas. Certamente em moldes diferentes, que estarão ainda a ser afinados, mas sempre visando a otimização da mobilidade dos consumidores em melhores condições de segurança. Com lucro e reputação de mãos dadas.