Integridade, reputação e compliance: reflexões sobre uma liderança em evolução

A liderança de hoje enfrenta desafios sem precedentes, com uma regulação mais forte e uma exigência crescente dos cidadãos. O contexto é crítico – forjado pela evolução tecnológica e pelo intenso escrutínio público com um foco cada vez maior na corrupção – e qualquer lapso poderá ter efeitos negativos duradouros na reputação das organizações. Abordar o tema torna-se urgente e, por isso, este foi o mote do encontro Rep.Circle – The Reputation Platform “Governance e o Impacto na Reputação das Empresas”, que juntou, a 21 de outubro, contributos da gestão, consultoria e comunicação.

Nesta nova era digital em permanente mutação, a gestão da reputação ganha uma complexidade crescente, com a liderança das organizações a ser questionada e avaliada permanentemente aos olhos do público e demais players. A nova realidade, sublinhada por todos os presentes no evento, dever ser encarada como a nova normalidade, cabendo a cada líder adaptar-se às novas regras do jogo. “Há cada vez mais regulação, cada vez mais escrutínio e tudo acontece cada vez mais rápido”, resumiu José Manuel Bernardo, partner da PwC Portugal.

Perante a disrupção, observam-se alterações no posicionamento das empresas e dos próprios CEO. “Há uma clara mudança do foco de ‘shareholders’ para ‘stakeholders’”, afirmou Fernando Teixeira dos Santos, presidente da Comissão Executiva do EuroBic, a propósito da cada vez maior exigência da sociedade.

A Compliance é suficiente para garantir uma boa reputação?

Ao longo do evento, ficou patente que a Compliance tem sido progressivamente reforçada ao longo dos últimos anos, numa tendência transversal aos diferentes setores. Para José Manuel Bernardo, estamos hoje perante “uma maior regulação, com mais legislação e um enforcement cada vez mais forte”, que acaba por responder também às exigências e valores da sociedade.

No entanto, a Compliance, por si só, acaba por ser manifestamente insuficiente para nortear a integridade corporativa e, consequentemente, garantir uma boa reputação. “Por ser compliant estarmos a ser éticos? Não, para sermos éticos é preciso fazer as coisas pelo motivo certo. E este é o caminho para, no final do processo, conseguirmos ser tanto éticos, como compliant”, defendeu Vítor Papão, general manager da Gilead Sciences.

Este é um novo paradigma em que a legislação e os reguladores – mesmo com poderes mais reforçados – acabam por não ser suficientes para que as empresas respondam ao escrutínio público (digital e tradicional) e construam uma boa reputação. É preciso responder aos reguladores, mas ir mais além e reforçar fatores como a ética, a integridade e o propósito.

Estamos a assistir a uma mudança em que o business purpose é muito mais real e em que os lucros estão muito ligados ao lado social. E este business purpose tem de ser mais autêntico”, destacou Alexandra Abreu Loureiro, Head of Portugal na consultora Brunswick.  A tendência é também sublinhada por José Manuel Bernardo: “cada vez mais as empresas têm de perceber que o propósito não é apenas o lucro e que existe um ativismo que se repercute crescentemente nos boards, em que os acionistas exigem determinadas mudanças [ética e ambientais, por exemplo]”.

Consequências e estratégias

Costuma dizer-se que ‘quem não se adapta, morre’. Quando o tema é a ética na liderança e a reputação das empresas, tal significa que ‘quem não se adapta à nova realidade, é forçado a sair’. Essa foi uma das conclusões do estudo internacional da PwC sobre a ética dos CEO, cujos resultados foram lembrados na sessão do Rep.Circle – The Reputation Platform: cada vez mais presidentes executivos estão a ser forçados a abandonar os cargos por motivos éticos (em 2018, as faltas de conduta representaram 39% das saídas forçadas).

As demissões são consequências pessoais, mas o debate de dia 21 de outubro permitiu abordar os danos a longo prazo que a falta de integridade e ética tem nas empresas. José Manuel Bernardo lembrou efeitos como a publicidade negativa, o contágio da falta de ética em todos os níveis da organização, as perdas financeiras e o crescente número de investigações e contencioso. “Basta um ápice para as empresas se destruírem”, apontou, por seu lado, Alexandra Abreu Loureiro.

Em resposta, a monitorização da integridade na liderança e a gestão da reputação foram evidenciadas como estratégias essenciais neste novo paradigma. A gestão de crise é um caminho, “mas não deve dar um falso sentido de confiança”, frisou Ronald Schranz, Head of Austria na Brunswick, porque apenas resolve situações imediatas, sem um olhar mais profundo e contínuo na organização.

Neste sentido, Ronald Schranz sugeriu que as empresas sigam um caminho de “responsabilidade ativa”, em que, para além do lucro, “tenham de dar respostas eficazes à sociedade” e “ir mais além do que o mero ‘portar bem’”. As organizações – na pessoa dos seus líderes – devem privilegiar um propósito e um comportamento íntegro, mas sem o anunciarem como bandeira, defendeu o especialista, sob o risco de uma maior penalização do escrutínio público. Além disso, acrescentou, é preciso fazê-lo com autenticidade e espelhado na cultura da organização. Tudo para que, ao longo deste processo, as empresas alcancem um desempenho de valores, com boa reputação, resiliência e viabilidade.

José Manuel Bernardo reforçou também o papel da cultura da integridade, que “fomente nas organizações comportamentos adequados”, assim como a exigência de KPI (Key Perfomance Indicators) razoáveis, que respondam tanto aos resultados financeiros e ao propósito da empresa, e de processos e controlo “para conseguir medir e para atuar rapidamente – caso contrário, poderemos viver com lapsos de ética durante muito tempo, sem serem identificados”.

Estas mudanças começam a ser visíveis nas empresas de topo, ao nível internacional e nacional. “Na Novartis, temos evidentemente um programa de Compliance, mas temos também uma cultura de integridade – e isso é o mais importante – que incentiva as pessoas a serem éticas”, ressalvou Cristina Campos, diretora geral da Novartis Portugal, a partir da experiência da empresa. Também Paulo Teixeira, country manager da Pfizer, destacou que a empresa tem “um conjunto de mecanismos e procedimentos para que as pessoas não tenham receio de denunciarem práticas contrárias aos comportamentos e valores da empresa, com impacto na reputação”.

Banca e indústria farmacêutica: no holofote da pressão dos consumidores

Quando o tema é a reputação empresarial, há dois sectores que se destacam pela desconfiança (e consequente escrutínio) do público e pela importância da reputação como ativo de negócio: banca e indústria farmacêutica. Com isso em mente, este encontro do Rep.Circle – The Reputation Platform fechou com uma Mesa Redonda dedicada à gestão da reputação nos dois sectores, reunindo José Miguel Pessanha (administrador executivo do Millennium bcp), Teixeira dos Santos, Cristina Campos, Paulo Teixeira e Vítor Papão.

No decorrer do debate, tornou-se evidente a evolução dos dois setores nas últimas décadas, tanto em termos de regulação, como na própria postura perante a exigência da sociedade. “É preciso perceber qual a visão externa do banco e não cair no erro de tentar justificar ou desculpar. Luta-se pela reputação todos os dias”, destacou José Miguel Pessanha, lembrando que, nesta era digital, “as informações chegam mais rapidamente e que não se pode assumir que ninguém vai ler a nossa ata e que ninguém vai questionar as nossas decisões”.

Por seu lado, Teixeira dos Santos frisou quão importante é este tema para a banca: “a atividade central da banca é confiança e a confiança implica reputação. O grande desafio é recuperar a confiança no sector e nos agentes desse sector”, sobretudo perante o “crescente de exigência dos consumidores com as entidades com que se relacionam no seu dia a dia”.

Do lado da indústria farmacêutica, Cristina Campos verbalizou alguns dos riscos da era digital: “existe um desconhecimento do modelo de negócio da indústria farmacêutica e as pessoas falam de tudo, sempre com ódio, sem procurar conhecer os factos”. Vítor Papão concluiu, ao defender que “a indústria farmacêutica tem feito um longo caminho ao longo das últimas décadas que merece uma boa reputação – se a tem ou não, isso é outra conversa”.

Uma conversa que, aliás, reforçaria sinergias entre gestão da reputação e comunicação, fazendo eco das palavras que, um pouco antes, Alexandra Abreu Loureiro, proferia “o novo terror das empresas é o cyber, que pode acabar com uma empresa se não estiver preparada, se não tiver estruturas internas e externas, se não souber comunicar”, reforçando a necessidade de uma espécie de “Primavera Corporate” (alusão à “Primavera Árabe”) para a liderança, “na qual as empresas têm de renascer e aprender a comunicar numa nova realidade”.