O novo mantra dos gestores de topo

by Salvador da Cunha, Fundador do Rep.Circle - The Reputation Platform

Esta entrevista foi conduzida por TitiAna Amorim Barroso e integra o dossier Does reputation depend on the number of followers?, publicado na edição de abril de 2020 da Líder. A Líder magazine está disponível em formato digital e o seu acesso é, nesta edição, gratuito.

Vivemos na Era da Ética, onde a verdade, a transparência e a clareza de valores sustenta o crescimento das organizações a longo prazo. Agora, mais do que nunca, é clara a importância da reputação corporativa como o intangível com mais valor e sinónimo de uma boa gestão. A reputação não é apenas um multiplicador económica. Ela é – também – uma apólice de seguro.

A nossa reputação, mesmo com todos os constrangimentos impostos pelo confinamento e afastamento social, chega sempre a qualquer lado primeiro do que nós. Para o ser humano, preservar a reputação é tão importante quanto preservar a vida. E se podemos demorar 20 anos a construí-la, bastam cinco minutos para a arruinar, já defendia Warren Buffet, fundador da Berkshire Hathaway e um dos homens mais ricos do mundo. Enquanto algumas pessoas a mantêm a salvo e (quase) imaculada, outras destroem-na em “três tempos”.

Salvador da Cunha, CEO da Lift Consulting e fundador do Rep.Circle – The Reputation Platform

Ter uma reputação forte e robusta é também ter o benefício da dúvida em casos de crise. E essa é a melhor forma de a ultrapassar. É natural que tudo o que façamos afete a nossa reputação e que a nossa reputação afete tudo o que fazemos, por isso é tão necessário protegê-la quanto geri-la. Ter uma boa reputação é como ter “um seguro que garante o benefício da dúvida”, lembra Salvador da Cunha, CEO da Lift Consulting e um estudioso do tema, desde o início da criação da consultora, já lá vão 25 anos. No ano passado, materializou o gosto pelo tema e criou o Rep.Circle, um centro de conhecimento sobre Reputação.

“A reputação não é apenas consequência do que uma pessoa ou empresa faz. É também do que os outros dizem dela, muitas vezes com motivações pouco honestas”, lembra. Nestes tempos incertos, as oportunidade de fazer “o bem pelo bem” são o que vai fazer a diferença. As dimensões mais relevantes são as mais humanas. E são essas que ditam a familiaridade com uma pessoa ou marca. Já temos parte do segredo e se pudéssemos prescrever algum bálsamo para estes tempos seria o de “emergir da média pleas boas práticas. E saber comunicá-lo”. A oportunidade está aqui!

Muitas pessoas confudem reputação com notoriedade. Afinal, o que é a reputação?

Uma notoriedade elevada implica que um grande número de pessoas reconhece uma empresa, uma marca, um indivíduo. Reputação implica que, para além de reconhecer o nome e o logo, conhece a atividade, conhece as práticas, e tem sentimentos positivos ou negativos em relação à empresa, marca ou pessoa. Mas notoriedade não tem correlação com reputação. A familiaridade, sim. Para ter sentimentos positivos ou negativos relacionados com uma empresa é necessário conhecer a realidade um pouco mais e perto. Por exemplo, em Portugal, Donald Trump tem muita notoriedade, mas má reputação. A Nestlé tem muita notoriedade e boa reputação. Em suma, ter um elevado índice de reconhecimento (notoriedade) não garante uma elevada reputação.

A reputação é um intangível de grande valor. Como se mede?

A reputação é o intangível com mais valor das empresas. Uma medição financeira possível é a diferença entre o valor bolsista de uma empresa cotada e o valor dos seus capitais próprios ativos – passivos). Mas na realidade o que interessa medir não é o valor absoluto: interessa medir os sentimentos que os stakeholders (partes interessadas) têm em relação a um conjunto de dimensões e atributos. Por exemplo se a empresa produz bons produtos ou bons serviços, se é inovadora, se trata bem os seus colaboradores, se é socialmente responsável e ambientalmente sustentável, se é uma empresa com uma liderança forte, ou ainda se é transparente ou mais rentável que a concorrência. A RepTrak Company, antigo Reputation Institute, definiu sete dimensões e 23 atributos racionais, que ajudam a explicar quatro variáveis emocionais: confiança, admiração, estima e boa impressão. Estes sentimentos ditam depois os comportamentos de suporte, ou seja, as intenções de apoio dessas partes interessadas: tenho intenção de comprar produtos daquela empresa, gostaria de trabalhar naquela empresa, gostaria de investir naquela empresa ou ser parceiro daquela empresa, etc.

A receita para uma reputação forte tem mudado?

As receitas não mudam muito. Mudam apenas no estilo. Hoje o propósito (purpose) é o grande mantra dos novos gestores. Se uma empresa estiver focada num comportamento de excelência em cada uma das dimensões, se for avaliando periodicamente a perceção dos stakeholders, os comportamentos dos seus colaboradores e das lideranças intermédias – no sentido de garantir que não ultrapassam determinados limites -, então tem meio caminho andado para ter uma boa reputação. Do outro lado estão processos de comunicação. Não basta ter bons comportamentos: as empresas têm de garantir que é essa a perceção dos stakeholders, porque há muitos fatores exógenos que podem influir na sua reputação. Exemplo disso são processos de comunicação menos claros promovidos pela sua concorrência ou por colaboradores menos satisfeitos. Medir perceções para gerir a reputação é o segredo.

Como é que o contexto atual em que Portugal e outros países se encontram, resultante da situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19, se pode tornar numa oportunidade para as lideranças melhorarem a reputação?

Nestes tempos mais conturbados, as oportunidades de fazer “o bem pelo bem” são o que vai fazer a diferença. Os colaboradores, nestes momentos de grande incerteza, olham para cima e procuram boas lideranças, que os façam sentir seguros. Empresas que os estimulem e os deixem orgulhosos. Por outro lado, os consumidores procuram empresas que de algum modo coloquem de lado objetivos puramente economicistas e preferem as que são mais generosas e altruístas. As que devolvem parte dos seus ganhos à sociedade. A transparência, a liderança, as preocupações sociais e ambientais estarão no topo das preocupações dos stakeholders. A oportunidade é essa. Emergir da média pelas boas práticas. E saber comunicá-lo.

Que conselhos daria aos líderes empresariais para gerirem a sua reputação em Estado de Emergência?

A primeira é: que liderem. É o que se espera de um líder. Que tome decisões e que seja consequente com essas decisões. E já agora que lidere no sentido mais altruísta do termo. Que arrisque e proteja os seus, mesmo que isso lhe custe o “bónus anual”.
Por outro lado, que exija aos seus colaboradores comportamentos de excelência para tempos de grande incerteza. As dimensões mais relevantes, neste momento, serão as mais humanas: garantir excelência no trabalho, ser transparente, socialmente responsável e ambientalmente sustentável. O inverso da ganância, lucro fácil e oportunista, que também se vê na sociedade nestes dias.

Existem reputações incólumes?

Não. Não existem porque a reputação não é apenas consequência do que uma pessoa ou empresa faz. É também do que os outros dizem dela, muitas vezes com motivações pouco honestas (questões concorrenciais, por exemplo) ou pouco francas. Se um trabalhador preguiçoso ou desonesto for despedido vai sempre dizer mal da empresa e do patrão. E isso tem consequências na reputação porque quem o ouve não tem toda a informação. Se um consumidor desonesto fizer uma devolução e uma queixa, com objetivos de ser reembolsado, vai dizer mal do produto. Se há um acidente que provoque uma morte ou um grande prejuízo, as pessoas vão olhar para as medidas de segurança da empresa e os media vão apontar o dedo. Não, não há reputações incólumes. Mas há forma de mitigar tudo isto. Ter uma reputação forte e robusta é também ter o benefício da dúvida em casos de crise. E essa é a melhor forma de a ultrapassar.

E quais os líderes e marcas que associa a uma boa reputação?

Há um conjunto de marcas com reputação excelente. Em Portugal, marcas como a Nestlé, a Delta e a Microsoft têm sistematicamente, todos os anos, surgido com reputações muito fortes. Os líderes têm estado mais escondidos do publico em geral. Estão mais low profile.

Transitando para um tema também atual, os influencers. Como é que eles estão a moldar a reputação das marcas?

O tema dos influencers é muito interessante porque de facto podem moldar de forma muito positiva e muito negativa a reputação das marcas. Um influencer tem de ter ressonância com uma marca. Tem de ter engagement com o seu público. Não pode promover uma marca de que, genuinamente, não goste. E isso é complicado de fazer quando há um pagamento no meio. As marcas têm de ter muito cuidado com os influencers que escolhem para as representar. Não pode ser qualquer um. O critério não pode ser apenas audiência. Tem de fazer sentido para a marca, para o influencer e, sobretudo, para a audiência do influencer. Por exemplo, ninguém acredita que o Ronaldo goste mesmo de Linic anticaspa. Por isso o que se passa ali não é influencer marketing: é publicidade na plataforma com mais audiência do mundo. Já a Nike faz todo o sentido. 

O desvio do poder para as mãos da audiência digital, criou, em última análise, um ambiente hostil. O número de seguidores, de likes e de partilhas são um indicador seguro? Onde vamos nós com tantos seguidores?

A audiência digital é o novo mundo, quer queiramos quer não. É por isso que a reputação ganha muita relevância com o digital, porque o risco aumenta. Uma reclamação de quem tem muita audiência está nas mãos de pessoas normais. A empresa tem mesmo de ter isso em conta.
E tem razão: O ambiente digital é mais hostil. Está resguardado por trás de um ecrã. Os sentimentos são amplificados, positivos e negativos, porque não têm risco. É muito diferente chamar atraso mental a alguém que não conheço no Twitter ou no Facebook ou com a pessoa à minha frente. No digital não arrisco a levar um murro. É como no transito: as interações são efémeras e protegidas pelo alumínio do carro.

Qual é que é o maior impulsionador da reputação de uma marca?

Não há um fator: Há uma combinação de fatores, de dimensões e atributos. O que se pode é combinar esses fatores com um propósito genuíno e comunicá-lo eficazmente.

Já há diretores de Reputação?

Já há, claro. Mesmo representantes em administrações. O CRO – Chief Reputaion Officer é um C-Suite, que é o garante da reputação da empresa. É uma função transversal ao Marketing e Comunicação, Recursos Humanos, Inovação, Governance, Direção Financeira e Liderança. É quem garante que todos estes “silos” se comportam como está estipulado. É uma função que está progressivamente a substituir o CMO, à medida que a reputação tem provado que é mais abrangente do que o marketing, que apenas trata das dimensões de produtos e serviços.

Situações de crise podem atingir a velocidade de um clique ou de um post no Instagram. Antes, as empresas podiam esconder-se. Hoje, se não for a empresa a criar a sua própria narrativa, alguém o fará e, provavelmente, não será amigável. Quais é que foram os últimos grandes erros crassos de marcas/ empresas?

Esconder e mentir são estratégias do século passado. É muito difícil nos dias de hoje para uma empresa relevante estar escondida e passar pelos pingos da chuva. Não digo que não seja a estratégia tentada por muitas empresas em Portugal. Mas de facto uma empresa que se relaciona com o público em geral, business to consumer, não consegue estar 100% protegida e tem de gerir muito bem o que se diz sobre ela e atuar rapidamente. Como não se consegue ver tudo e estar atento a tudo, ter uma boa reputação é como ter um seguro que garante o benefício da dúvida. Tendo dito isto, há uma tendência que é muito positiva para as empresas: com o incremento das fake news, as pessoas acreditam hoje mais no que a empresa diz, nos seus canais de owned media, do que acreditavam há 10 anos. Atualmente, os medias das empresas são mais credíveis do que os media tradicionais.

Hoje uma crise espalha-se muito mais rápido do que há 10 anos. E com os novos canais de informação, o alcance e o impacto de um episódio problemático pode ter repercussões profundas e sair muito caro às empresas.
É verdade. O fenómeno é mais rápido, mas também mais efémero. As empresas não podem entrar em paranoia por causa de um twitte. Mas se a crise escala verdadeiramente pode pôr em causa a continuidade de uma operação. O conceito de reputation readiness é muito importante. A gestão de uma crise que tenha sido antecipada e preparada é muito mais eficaz. É por isso que as empresas têm de ter manuais de gestão de crise preparados e atualizados, têm de fazer simulações, media training. E têm de ter alguém que sabe o que faz nestes momentos.

Exemplifique marcas que recuperaram a confiança do público após uma crise de reputação.

Há vários casos a nível mundial. É raro recuperar plenamente de uma crise reputacional grave, mas há alguns casos. Toyota, Volkswagen, BP, MSD são casos de empresas que sofreram graves crises reputacionais e que de alguma forma recuperaram dessas crises, embora não totalmente. Em Portugal, o Millennium BCP, por exemplo, teve uma crise muito grande em 2007/2008, provocada por uma guerra de poder que despoletou uma destruição de valor muito significativa. Levou alguns anos a recuperar dessa crise, mas hoje já poucos se lembram das razões. Já grupos como o BPN, Espírito Santo, ou mais recentemente o de Isabel dos Santos, sofreram crises reputacionais letais, que levaram à sua dissolução.

As organizações têm sido cada vez mais vocais acerca das causas que apoiam e aquelas que repudiam. Esta postura pública alimenta uma boa reputação?

É uma tendência muito ligada ao propósito das empresas: o CEO ativista, que dá a cara e o poder da empresa que gere por uma causa em que acredita e em que os seus stakeholders se revêem. A Nike tem sido muito ativista na área dos direitos humanos, contra o racismo e a favor de causas muito relevantes como o empoderamento feminino ou em defesa de causas de minorias. Há vários exemplos. Mas, mais uma vez, é uma opção que pode trazer grandes dividendos reputacionais de longo prazo se não for confundido com propaganda. As empresas têm mesmo de praticar o que pregam, para não serem percecionadas como hipócritas.

Vivemos na Era da Ética, onde a verdade, a transparência e a clareza de valores sustentará o crescimento das marcas a longo prazo. Ser humano, ser gentil, ser credível. Hoje, a reputação é mais importante do que nunca?

Penso que esta pergunta resume muito toda esta conversa. Penso que sim… penso que fundamentalmente as empresas globais já entenderam que não se conseguem esconder, que não podem mentir, que não podem enganar. E que para ter comportamentos de suporte positivos dos seus stakeholders têm de ser estimadas, têm de ser de confiança, têm de ser queridas e admiradas. Esse é o fundamento da boa reputação, que hoje começa a ser sinónimo de boa gestão.