Qual o valor do benefício da dúvida?

Experiências negativas acontecem a negócios perfeitamente saudáveis todos os dias. Seja um CEO que faz uma declaração infeliz, um colaborador que falha no atendimento ao cliente ou um erro técnico que põe em causa produtos e serviços. Os deslizes e respetivos danos à reputação das marcas fazem parte do dia-a-dia de quem gere os mais variados tipos de instituições.

Ainda assim, nem todos os desfechos de crises reputacionais são previsíveis.

O facto, por exemplo, de a Volkswagen ser atualmente a segunda marca que mais vende automóveis no mundo depois do escândalo dieselgate, estando cada vez mais próxima do número um da tabela, só vem provar que a relação entre a reputação de uma marca e o sucesso de um negócio é bem mais complexa do que parece.

O fim de cada crise depende de uma série de fatores, mas há uma variável que salta à vista: o benefício da dúvida.

De acordo com o Reputation Institute (RI), 63% da opinião pública está disposta a dar o benefício da dúvida a empresas que tenham uma excelente reputação. Mais: estas empresas têm 3,2 vezes mais capacidade de ultrapassar uma crise do que companhias que tenham uma reputação mediana.

No caso da Volkswagen o benefício da dúvida pode ter feito a diferença. Antes da crise, em mercados como o Reino Unido ou a Itália, mais de 50% do público em geral estava fortemente inclinado a dar o benefício da dúvida à empresa. No mercado norte-americano o mesmo indicador era de 44%. Vale, no entanto, a pena sublinhar que, nos EUA, a média dos entrevistados que dá o benefício da dúvida às empresas é de 33% (ver tabela).

Mais transparência, menos danos

Em 2018, a marca de fast food KFC passou por uma crise bem menos complexa, mas a solução encontrada para a ultrapassar foi tão criativa quanto a adotada pela Samsung. No Reino Unido, a marca famosa por vender frango frito ficou sem frango. A quebra de stock levou ao encerramento temporário de vários restaurantes e gerou ondas de protestos por parte dos fãs da marca.

Como explicar o inexplicável? A KFC decidiu ser engraçada e caiu em graça. Depois de reestabelecer o abastecimento do seu principal produto, a marca contratou uma agência de publicidade, a Mother London, para pedir desculpas. Num anúncio de página inteira publicado em jornais como o Sun e o Metro podia ler-se: “um restaurante de frango sem frango não é o ideal”. E bastou uma troca de letras no logótipo da marca, de KFC para “FCK”, para reconquistar a opinião pública (ver imagem).

O anúncio, publicado em apenas dois órgãos de comunicação, foi notícia em diversos meios, tendo gerado mais de mil milhões de impressões e conquistado a medalha de ouro em Cannes nas categorias de Relações Públicas e Imprensa.

Menos risco, mais benefício da dúvida

“A melhor estratégia é evitar uma crise. Por isso, tratamos de identificar o que é uma crise, antecipar a sua existência e estar preparados para executar uma reação”, explica Lídia Monteiro, Diretora Coordenadora de Marketing do Turismo de Portugal. No caso do Turismo de Portugal, “utilizamos o digital para medir o pulso aos resultados das nossas campanhas e detetarmos eventuais picos de conversa potencialmente geradora de crise antes de a mesma ter uma visibilidade significativa. Esta opção permite-nos estar mais preparados se essa iniciativa potenciar uma crise”, conta. E os mecanismos de defesa da instituição não ficam por aqui: “Em campanhas em que identificamos existir um risco adicional fazemos testes ao mercado. Normalmente são testes informais com grupos específicos de consumidores ou de líderes de opinião nos respetivos segmentos. Acrescentamos ainda o lançamento faseado e evitamos ou retardamos a presença em redes sociais e junto de imprensa digital. Dessa forma podemos testar a criatividade e as mensagens e assim perceber se estamos no caminho certo. A título de exemplo, com a campanha que acabamos de lançar- #Brelcome” -, adotamos esta estratégia de sondagem informal a operadores turísticos ingleses e de soft launch, relata.

Vanessa Romeu, Diretora de Comunicação Corporativa do Lidl Portugal, também defende que “a preparação para eventuais crises resulta de um trabalho contínuo e de longo prazo. A redução deste tipo de risco prende-se com um trabalho prévio e conjunto entre departamentos, assim como com colaboradores e clientes para reforçar a reputação e credibilidade da marca”.

Como cada ação de comunicação é sempre um potencial motivo de conversa, Vanessa Romeu defende que “cada campanha deve ser analisada pelas diversas áreas envolvidas, permitindo avaliar as suas diferentes perspetivas de receção por parte dos diferentes stakeholders”. E sublinha: tem de haver uma conjugação de objetivos. Venda de produto, garantia de confiança na marca e respeito pelas diferentes perceções da mensagem pelos diferentes públicos.

Por sua vez, Paulo Rebelo Gonçalves, responsável pelo Gabinete de Comunicação e Imagem da Porto Editora reforça que no curto prazo “é fundamental reagir com celeridade, objetividade, sangue-frio e capacidade de diálogo”. E, no longo prazo, o importante é mostrar “uma identidade forte, valores e princípios sólidos, alinhados com os de uma sociedade moderna e evoluída. A credibilidade de uma marca é uma das suas mais importantes forças competitivas”, conclui.

Mas se por um lado sempre foi fundamental conservar uma boa reputação, nunca as empresas foram tão escrutinadas. Só no mercado norte-americano, a predisposição da população para dar o benefício da dúvida às empresas caiu 14% de 2017 para 2018, segundo o Reputation Institute

Será, por isso, fundamental ter em conta todos os detalhes. “É a ausência dos pequenos deslizes – que geram má publicidade – que permite às empresas recuperar mais rapidamente de uma grande crise reputacional”, sublinha o RI. Por contraponto, as que são constantemente alvo de atenção pelos piores motivos, perdem gradualmente o direito ao perdão.

Uma atitude pró-ativa na gestão da reputação e na prevenção de riscos – grande e pequenos – é o que faz crescer o benefício da dúvida e mantém as empresas seguras. Porque, afinal, o diabo está nos detalhes.